As Fases da Guerra Fria
VIZENTINI, Paulo Gilberto Fagundes. “A Guerra Fria”. In: REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste (org.). O século XX (Vol. 3).O tempos das crises: revoluções, fascismos e guerras. 3ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 195-225.
Paulo G. Fagundes Vizentini, no seu trabalho sobre a Guerra Fria, procura explicar este conflito não apenas como uma guerra político-ideológica entre duas superpotências, mas como um conflito “multifacetado” explicável de maneira racional a partir de análises das transformações que marcaram o século XX. Para isso, procura explicar a Guerra Fria em fases.
A primeira fase se dá entre 1945 e 1949 onde Vizentini afirma que as origens do conflito se dão a partir das divergências entre EUA, juntamente com seus aliados da Europa ocidental, e URSS ao final da segunda grande guerra onde assinaram em Yalta um acordo que determinava que os países da Europa oriental que faziam fronteiras com a URSS não deveriam possuir governos anti-soviéticos. Tal acordo respeitado e a URSS teve o reconhecimento de sua influencia sobre estes países, porém o restante do mundo permanecia sobre o jugo do capitalismo estadunidense. Situação que leva o autor a considerar certo exagero a expressão “partilha do mundo”.
A conferência de Potsdam, no entanto, demonstrou um tom diferente, onde os EUA na figura de Henry Truman explicitaram suas intenções e fizeram uma demonstração do seu potencial bélico onde ficou claro para o mundo quem, após a derrota do Eixo, seria o inimigo do capitalismo. A Guerra Fria nasce como uma ferramenta para consolidar a supremacia norte-americana na nova ordem mundial.
Vários acontecimentos de cunho político e militar marcaram este primeiro período, dentre eles podemos destacar a explosão de uma bomba atômica no arquipélago de Bikini pelos EUA para demonstração de sua força bélica frente a URSS; a ascensão do partido republicano que conseguia maioria no congresso estadunidense forçando o governo Truman a tomar uma postura cada vez mais rígida; a retomada da guerra civil na Grécia; a implantação da Doutrina Truman que defendia a intervenção dos EUA contra as “ameaças” aos “povos livres” pelos regimes totalitários de procedência externa ou interna; o Plano Marshal que concedia empréstimos a juros baixos aos governos europeus para a reconstrução destes devastados pela guerra. Este plano sofreu retaliação por parte dos partidos comunistas europeus alinhados a URSS, sendo, inclusive, rejeitado em alguns países; a realização de uma reforma econômica nas zonas alemãs controladas pelos ocidentais levou Stalin reagir com um bloqueio terrestre de Berlim que fracassou, mas que ficou caracterizado como a primeira crise de Berlim.
No ano de 1949 houve uma intensificação no conflito com a criação do COMECON, órgão de caráter econômico por parte da URSS como uma resposta ao Plano Marshal. Em seguida foi criada a OTAN que teve o papel de legitimar a presença militar norte-americana na Europa. Este fato repercutiu diretamente na questão alemã onde, em setembro daquele ano, foi criada a República Federal da Alemanha, tendo como resposta a criação da República Democrática Alemã no mês seguinte, concretizado a divisão da Alemanha em dois países distintos.
A segunda fase da Guerra Fria se dá entre 1950 e 1962 onde o “eixo do conflito se desloca para a periferia terceiro-mundista” próxima às superpotências. Os fatos marcantes do inicio desta nova fase são a detonação da primeira bomba atômica da URSS e a proclamação da República Popular da China. Esses fatos demonstraram que pressões econômico-militares não foram suficientes para conter os avanços do socialismo no mundo. Líderes ocidentais tentaram negociações para atenuar o conflito. Os partidos de extrema direita, no entanto e, sobretudo dos EUA, não deram ouvidos a esta convocação e realizaram perseguições político-ideológicas que tem com seu principal expoente o macarthismo.
Nesta fase, entretanto, atenuou-se, de certa forma, o conflito entre as potencias já que os EUA dirigiram suas forças para os conflitos na Coréia e, posteriormente, para o processo de descolonização dos países afro-asiáticos. O autor apreende, ainda, que o “desengajamento militar” após a guerra da Coréia, a conferencia de Genebra (realizada com a intenção de restaurar a paz na Indochina e na Coréia), e a recuperação econômica da Europa ocidental e do Japão contribuíram para uma “coexistência pacífica” do socialismo e do capitalismo. Esta coexistência pacífica foi posta em cheque com o rearmamento da RFA e sua integração à OTAN, que teve como resposta a criação do Pacto de Varsóvia em 1955, porém, este acontecimento não abalou a política de coexistência pacífica.
Esta fase foi marcada, também, pelo desenvolvimento de “uma política de âmbito mundial” por parte da URSS que se recuperava econômica e demograficamente da segunda guerra e ultrapassava os EUA na corrida espacial com o lançamento do Sputnik e ao colocar o primeiro homem na órbita terrestre. A URSS visava, ainda, “ultrapassar economicamente os EUA em pouco tempo”.
No ano de 1961 aconteceu o episódio da Baía dos Porcos em Cuba, onde os EUA tentavam acabar com a revolução liderada por Fidel Castro e Che Guevara, onde foram facilmente derrotados. Envergonhados, os norte-americanos resolveram aumentar seu poderio militar e tornaram mais rígida sua posição quanto ao problema de Berlim. Em resposta, a URSS construiu o muro de Berlim, atendendo, segundo o autor, a reivindicação da RDA de obter maior controle da fronteira entre as duas “alemanhas”.
Em 1962 a URSS instalou mísseis em Cuba apontados para os EUA. Este episódio é considerado até hoje como o mais próximo de uma Terceira Guerra Mundial agora de caráter nuclear. No entanto, após negociações o governo soviético resolveu recuar e o episódio acabou por dar maior “substancia a coexistência pacífica” a partir do momento em que possibilitou, finalmente, um contato direto entre as superpotências.
Entre 1962 e 1979, o que seria a terceira fase do conflito, houve um afrouxamento dos conflitos provocados por vários fatores. O assassinato de John F. Kennedy e a saída de Kruchev são exemplos destes. Na passagem da década de 1960 para 1970 a URSS atingia o equilíbrio nuclear-estratégico com os EUA. O grande crescimento econômico da CEE e do Japão fazia surgir “novos pólos capitalistas”, agora concorrentes comercial, financeira tecnologicamente dos EUA. No plano político começava a surgir “fissuras” como o nacionalismo francês contrário à intervenção norte-americana.
No lado soviético a situação não era diferente e, em 1961, rompeu com a Albânia e, em 1963, com a China. A Romênia se recusou os planos do COMECON de uma “divisão internacional da produção entre paises socialistas”. Na Tchecoslováquia, acontecia a Primavera de Praga nos anos de 1967-68.
Outro fato marcante é a aliança sino-americana que alterou o equilíbrio estratégico mundial. Para conter uma reação soviética os EUA procuraram manter a “détente” aceitando um acordo de limitação de armamentos, condicionado a assinatura do Acordo de Helsinque que institucionalizou o tema dos direitos humanos. A Casa Branca incitou a URSS ingressar na economia mundial exportando gás e petróleo e importando tecnologia e bens de capital. Esta “entrada” parcial da URSS na lógica capitalista, mais tarde, viria ser fatal para a mesma.
Para os EUA, o acontecimento mais significativo e, ao mesmo tempo, mais negativo desta fase do conflito, foi sua derrota na guerra do Vietnã, pois não se tratou apenas de uma derrota militar, mas por ter gerado vários problemas econômicos, políticos e sociais tanto interno quanto externamente.
No período que vai de 1979 a 1985 tem-se o fim da “détente” e o inicio do que o autor definiu como uma segunda Guerra Fria já que os ânimos voltariam a se exaltar devido às crises em pontos estratégicos para ambas as potencias que iam do chamado Chifre da África ao Paquistão, passando pela Península Arábica. A Revolução Iraniana que “desarticulou o sistema defensivo americano na estratégica região petrolífera do Golfo Pérsico”. O conflito no Afeganistão que mantinha fortes laços com a URSS com o qual possuía acordos de cooperação econômica e militar. Todos esses e outros fatores contribuíram para que se tornasse a temer um conflito de fato entre as duas potencias.
Os EUA sob a tutela do republicano Ronald Reagan deram corpo a esta nova Guerra Fria retomando a corrida armamentista à maneira convencional e estratégica colocando em prática a chamada “Guerra nas Estrelas” que consistia num processo de militarização do espaço. Impossibilitada de desafiar o poderio militar norte-americano, a URSS reduziu seu apoio às nações revolucionárias do terceiro mundo. Este fato possibilitou uma maior intervenção nos paises com focos revolucionários, esmagando esses movimentos e, finalmente, tentaram levar sua influencia econômica aos paises socialistas que se encontravam estagnados economicamente fazendo com que o sistema capitalista saísse, assim, de sua própria estagnação.
No que diz respeito, estritamente, ao terceiro mundo, os EUA buscaram, através da estratégia dos conflitos de baixa intensidade, “enfraquecer e/ou derrubar os regimes revolucionários no poder”. A ofensiva bélica norte-americana, juntamente com o embargo comercial e tecnológico deixou esses paises em situação desesperadora e a URSS buscou, então, adaptar-se à nova conjuntura com uma política de reestruturação da economia conhecida como Perestroika.
No cenário ideológico e político, a “nova direita” substituiu o discurso sobre os direitos humanos pela defesa da democracia, o combate ao terrorismo e ao narcotráfico.
Em 1985, Mikhail Gorbachev assume o poder na URSS e implementa suas políticas reformistas da Perestroika e da Glasnost na intenção de uma “ofensiva diplomática pacifista”. Estas atitudes levaram ao fim da Guerra Fria, mas, também, à capitulação e desintegração da URSS.
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